sexta-feira, 2 de maio de 2014

Linguagens e Códigos - Aula V

:: Prof. Vicente Júnior

Uma notícia desanimadora

Realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em parceria com a UNESCO, o PISA (Programa Internacional para a Avaliação de Estudantes) é realizado a cada três anos.

O exame não avalia conteúdos, mas domínio de habilidades consideradas básicas para a vida. Os exames focalizam três âmbitos: competência leitora, cultura matemática e cultura científica.
O relatório sobre a edição 2000 do PISA apresentou resultados alarmantes em relação ao Brasil, onde 4893 estudantes fizeram o teste, ficando em último lugar no ranking mundial. A Finlândia foi o país cujos alunos apresentaram os melhores desempenhos em competência leitora, ao lado da Coreia do Sul e do Canadá.

O relatório demonstra que nossos estudantes não são capazes de atribuir sentido ao que leem, ainda que “saibam ler”. E o que se chama de analfabetismo funcional, uma vez que a decodificação do texto não é acompanhada da capacidade de processar a informação para resolver um problema ou enfrentar uma situação corriqueira.

Competência leitora e habilidades de leitura

O ensino brasileiro vem passando por uma transformação profunda há algumas décadas, à medida que tem procurado pôr em destaque o ensino por competências, em lugar do ensino focado apenas em conteúdos programáticos.

O que se pretende avaliar em questões de interpretação de textos em provas escritas e avaliações externas como o ENADE, por exemplo, é se o aluno desenvolveu a competência leitora necessária para o conhecimento e, consequentemente, para aprovação.

Segundo Perrenoud (2001), “competência é a capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”.

Lino de Macedo (2003) afirma que “uma competência é mais do que um conhecimento”. O autor ressalta que ela pode ser explicada como um saber que se traduz na tomada de decisões, na capacidade de avaliar e julgar.

As competências e a leitura de mundo devem ser entendidas como uma forma de ler mais além de ler um texto, sendo necessário aprender outras linguagens além da escrita. Gráficos, estatísticas, desenhos geométricos, pinturas, desenhos e outras manifestações artísticas, as ciências, as formas de expressão formais e coloquiais, tudo deve ser lido e em códigos e símbolos específicos de decifração (Cereja, 2009).

Por exemplo, quando um aluno está diante de um problema matemático, precisa ser capaz de interpretar a pergunta para entender que tipo de resposta é esperada da mesma maneira para quem busca extrair conclusões de uma tabela de censo demográfico. Se o professor pede para escrever cartas a destinatários diferentes, o aluno precisa escolher o estilo e o vocabulário adequados a cada situação.

Assim, podemos entender que a competência significa saber lidar com as diferentes situações e problemas que se colocam diante de nós em nosso cotidiano.

Logo, se a competência está atrelada com o “saber fazer”, as habilidades estão relacionadas com o “como fazer”: como o indivíduo mobiliza recursos, toma decisões, adota estratégias ou procedimentos e opera ações concretas para resolver os problemas. Assim sendo, competência e habilidades são interdependentes do “saber”, mas acabam se completando mutuamente.

No desenvolvimento da leitura e interpretação de textos, a competência leitora se expressa por meio de habilidades de leitura, que se concretiza por meio de operações ou esquemas de ação, como veremos mais adiante.

As competências e a leitura de mundo

Ler o mundo significa mais do que ser capaz de ler um texto. É necessário aprender outras linguagens além da escrita. Gráficos, estatísticas, desenhos geométricos, pinturas, desenhos e outras manifestações artísticas, as ciências, as formas de expressão formais e coloquiais — tudo deve ser lido e tem códigos e símbolos específicos de decifração. Quando um aluno está diante de um problema matemático, precisa ser capaz de interpretar a pergunta para entender que tipo de resposta é esperada. Idem para quem busca extrair conclusões de uma tabela de censo demográfico. Se o professor pede para escrever cartas a destinatários diferentes, o estudante tem de escolher o estilo e o vocabulário adequados a cada situação. (Nova Escola, n° 154.)

Saiba mais!
  1. Decodificar é diferente de Decifrar;
  2. E preciso relacionar as intenções comunicativas subjacentes ao texto;
  3. Ler deve envolver o pensamento crítico.

A competência leitora vai depender da capacidade individual de cada leitor. Quanto maior for sua visão e seu conhecimento de mundo, suas inferências e seu acervo linguístico, maior será sua compreensão textual.

Lembre-se:

  • a) Uma boa leitura nunca pode basear-se em fragmentos isolados do texto, já que o significado das partes sempre é determinado pelo contexto dentro do qual se encaixam;
  • b) Uma boa leitura nunca pode deixar de apreender o pronunciamento contido por trás do texto, já que sempre se produz um texto para marcar posição frente a uma questão qualquer.

PROCEDIMENTOS DE LEITURA

Os textos nem sempre apresentam uma linguagem literal. Deve haver, então, a capacidade de reconhecer novos sentidos atribuídos às palavras dentro de uma produção textual. Além disso, para a compreensão do que é conotativo e simbólico é preciso identificar não apenas a idéia, mas também ler as entrelinhas, o que exige do leitor uma interação com o seu conhecimento de mundo. A tarefa do leitor competente é, portanto, apreender o sentido global do texto, utilizando recursos para a sua compreensão, de forma autônoma.

E relevante ressaltar que, além de localizar informações explícitas, inferir informações implícitas e identificar o tema de um texto, nesse tópico, deve-se também distinguir os fatos apresentados da opinião formulada acerca desses fatos nos diversos gêneros de texto. Reconhecer essa diferença é essencial para que o aluno possa tomar-se mais crítico, de modo a ser capaz de distinguir o que é um fato, um acontecimento, da interpretação que é dada a esse fato pelo autor do texto.

1. Localizar informações explícitas em um texto

A habilidade que pode ser avaliada por este descritor relaciona-se à localização pelo aluno de uma informação solicitada, que pode estar expressa literalmente no texto ou pode vir manifesto por meio de uma paráfrase, isto é, dizer de outra maneira o que se leu.

Essa habilidade é avaliada por meio de um texto- base que dá suporte ao item, no qual o aluno é orientado a localizar as informações solicitadas seguindo as pistas fornecidas pelo próprio texto. Para chegar à resposta correta, o aluno deve ser capaz de retomar o texto, localizando, dentre outras informações, aquela que foi solicitada. Por exemplo, os itens relacionados a esse descritor perguntam diretamente a localização da informação, complementando o que é pedido no enunciado ou relacionando o que é solicitado no enunciado, com a informação no texto.

Veja o exemplo a seguir:

Namoro
O melhor do namoro, claro, é o ridículo. Vocês dois no telefone:
— Desliga você.
— Não, desliga você.
— Você.
— Você.
— Então vamos desligar juntos.
— Tá. Conta até três.
— Um...Dois...Dois e meio...

Ridículo agora, porque na hora não era não. Na hora nem os apelidos secretos que vocês tinham um para o outro, lembra?, eram ridículos. Ronron. Suzuca. Alcizanzão. Surusuzuca. Congonha. (Gongonha!) Mamosa. Purupupuca...

Não havia coisa melhor do que passar tardes inteiras no sofá, olho no olho, dizendo.

— As dondozeira ama os dondonzeiro?
— Ama.
— Mas os dondonzeiro ama as dondonzeira mais do que as dondonzeira ama os dondonzeiro.
— Na-na-não. As dondonzeira ama os dondonzeiro mais do que etc...

E, entremeando o diálogo, longos beijos, profundos beijos, beijos mais do que de língua, beijos de amígdalas, beijos catetéticos. Tardes inteiras. Confesse: ridículo só porque nunca mais.
Depois do ridículo, o melhor do namoro são as brigas. Quem diz que nunca, como quem não quer nada, arquitetou um encontro casual com a ex ou o ex só para ver se ela ou ele está com alguém, ou para fmgir que não vê, ou para ver e ignorar, ou para dar um abano amistoso querendo dizer que ela ou ele agora significa tão pouco que podem até ser amigos, está mentindo. Ah, está mentindo.
E melhor do que as brigas são as reconciliações. Beijos ainda mais profundos, apelidos ainda mais
lamentáveis, vistos de longe. A gente brigava mesmo era para se reconciliar depois, lembra? Oito entre dez namorados transam pela primeira vez fazendo as pazes. Não estou inventando. O IBGE tem as estatísticas.

(Luís Fernando Veríssimo)

No texto, considera-se que o melhor do namoro é o ridículo associado
  • A) às brigas por amor
  • B) às mentiras inocentes
  • C) às reconciliações felizes
  • D) aos apelidos carinhosos
  • E) aos telefonemas intermináveis
2. Inferir o sentido de uma palavra ou expressão

Por meio deste descritor, pode-se avaliar a habilidade de o aluno relacionar informações, inferindo quanto ao sentido de uma palavra ou expressão no texto, ou seja, dando a determinadas palavras seu sentido conotativo.

Inferir significa realizar um raciocínio com base em informações já conhecidas, a fim de se chegar a informações novas, que não estejam explicitamente marcadas no texto. Com este descritor, pretende-se verificar se o leitor é capaz de inferir um significado para uma palavra ou expressão que ele desconhece.

Essa habilidade é avaliada por meio de um texto no qual o aluno, ao inferir o sentido da palavra ou expressão, seleciona informações também presentes na superfície textual e estabelece relações entre essas informações e seus conhecimentos prévios. Por exemplo, dá-se uma expressão ou uma palavra do texto e pergunta-se que sentido ela adquire.

Exemplo:

Todo ponto de vista é a vista de um ponto

Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam.

Todo ponto de vista é um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura.

A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação.

(BOFF, Leonardo. A águia e a galinha. 4a ed. RJ: Sextante, 1999)

A expressão “com os olhos que tem”, no Io parágrafo do texto, tem o sentido de
  • A) enfatizar a leitura
  • B) incentivar a leitura
  • C) individualizar a leitura
  • D) priorizar a leitura
  • E) valorizar a leitura
3. Inferir uma informação implícita em um texto

As informações implícitas no texto são aquelas que não estão presentes claramente na base textual, mas podem ser construídas pelo leitor por meio da realização de inferências que as marcas do texto permitem. Além das informações explicitamente enunciadas, há outras que podem ser pressupostas consequentemente, inferidas pelo leitor.

Por meio deste descritor, pode-se avaliar a habilidade de o aluno reconhecer uma ideia implícita no texto, seja por meio da identificação de sentimentos que dominam as ações externas dos personagens, em um nível básico, seja com base na identificação do gênero textual e na transposição do que seja real para o imaginário. E importante que o aluno apreenda o texto como um todo, para dele retirar as informações solicitadas.

Essa habilidade é avaliada por meio de um texto, no qual o aluno deve buscar informações que vão além do que está explícito, mas que à medida que ele vá atribuindo sentido ao que está enunciado no texto, ele vá deduzindo o que lhe foi solicitado. Ao realizar esse movimento, são estabelecidas de relações entre o texto e o seu contexto pessoal. Por exemplo, solicita-se que o aluno identifique o sentido da ação dos personagens ou o que determinado fato desperte nos personagens, entre outras coisas.

Exemplo:

Canguru

Todo mundo sabe (será?) que canguru vem de uma língua nativa australiana e quer dizer “Eu Não Sei”. Segundo a lenda, o Capitão Cook, explorador da Austrália, ao ver aquele estranho animal dando saltos de mais de dois metros de altura, perguntou a um nativo como se chamava o dito. O nativo respondeu guugu yimidhirr, em língua local, Gan-guruu, “Eu não sei”. Desconfiado que sou dessas divertidas origens, pesquisei em alguns dicionários etimológicos. Em nenhum dicionário se fala nisso. Só no Aurélio, nossa pequena Bíblia - numa outra versão.

Definição precisa encontrei, como quase sempre, em Partridge: Kangarroo; wallaby.
As palavras kanga e walla, significando saltar e pular, são acompanhadas pelos sufixos rôo e by, dois sons aborígines da Austrália, significando quadrúpedes.

Portanto quadrúpedes puladores e quadrúpedes saltadores.

Quando comuniquei a descoberta a Paulo Rónai, notável linguista e grande amigo de Aurélio Buarque de Holanda, Paulo gostou de saber da origem “real” do nome canguru. Mas acrescentou: “Que pena. A outra versão é muito mais bonitinha”. Também acho.

(Millôr Fernandes, 26/02/1999, In http://www.gravata.com/millor.)

Pode-se inferir do texto que
  • A) as descobertas científicas têm de ser comunicadas aos linguistas.
  • B) os dicionários etimológicos guardam a origem das palavras.
  • C) os cangurus são quadrúpedes de dois tipos: puladores e saltadores.
  • D) o dicionário Aurélio apresenta tendência religiosa.
  • E) os nativos desconheciam o significado de canguru.

4. Identificar o tema de um texto

O tema é o eixo sobre o qual o texto se estrutura. A percepção do tema responde a uma questão essencial para a leitura: “O texto trata de quê?” Em muitos textos, o tema não vem explicitamente marcado, mas deve ser percebido pelo leitor quando identifica a função dos recursos utilizados, como o uso de figuras de linguagem, de exemplos, de uma determinada organização argumentativa, entre outros.

A habilidade que pode ser avaliada por meio deste descritor refere-se ao reconhecimento pelo aluno do assunto principal do texto, ou seja, à identificação do que trata o texto. Para que o aluno identifique o tema, é necessário que relacione as diferentes informações para construir o sentido global do texto.

Essa habilidade é avaliada por meio de um texto para o qual é solicitado, de forma direta, que o aluno identifique o tema ou o assunto principal do texto.

Exemplo:

RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida a minha face?

(Cecília Meireles: poesia, por Darcy Damasceno. Rio de Janeiro: Agir, 1974. p. 19-20.)

O tema do texto é

  • A) a consciência súbita sobre o envelhecimento.
  • B) a decepção por encontrar-se já fragilizada.
  • C) a falta de alternativa face ao envelhecimento.
  • D) a recordação de uma época de juventude.
  • E) a revolta diante do espelho.

5. Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato

O leitor deve ser capaz de perceber a diferença entre o que é fato narrado ou discutido e o que é opinião sobre ele. Essa diferença pode ser ou bem marcada no texto ou exigir do leitor que ele perceba essa diferença integrando informações de diversas partes do texto e/ou inferindo-as, o que tomaria a tarefa mais difícil.

Por meio deste descritor pode-se avaliar a habilidade de o aluno identificar, no texto, um fato relatado e diferenciá-lo do comentário que o autor, ou o narrador, ou o personagem fazem sobre esse
fato.

Essa habilidade é avaliada por meio de um texto, no qual o aluno é solicitado a distinguir partes do texto que são referentes a um fato e partes que se referem a uma opinião relacionada ao fato apresentado, expressa pelo autor, narrador ou por algum outro personagem. Há itens que solicitam, por exemplo, que o aluno identifique um trecho que expresse um fato ou uma opinião, ou então, dá-se a expressão e pede-se que ele reconheça se é um fato ou uma opinião.

Exemplo:

Senhora

(Fragmento)
Aurélia passava agora as noites solitárias.
Raras vezes aparecia Fernando, que arranjava uma desculpa qualquer para justificar sua ausência. A menina que não pensava em interrogá-lo, também não contestava esses fúteis inventos. Ao contrário buscava afastar da conversa o tema desagradável.

Conhecia a moça que Seixas retirava-lhe seu amor; mas a altivez de coração não lhe consentia queixar- se. Além de que, ela tinha sobre o amor idéias singulares, talvez inspiradas pela posição especial em que se achara ao fazer-se moça.

Pensava ela que não tinha nenhum direito a ser amada por Seixas; e pois toda a afeição que lhe tivesse, muita ou pouca, era graça que dele recebia. Quando se lembrava que esse amor a poupara à degradação de um casamento de conveniência, nome com que se decora o mercado matrimonial, tinha impulsos de adorar a Seixas, como seu Deus e redentor.

Parecerá estranha essa paixão veemente, rica de heróica dedicação, que entretanto assiste calma, quase impassível, ao declínio do afeto com que lhe retribuía o homem amado, e se deixa abandonar, sem proferir um queixume, nem fazer um esforço para reter a ventura que foge.

Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica, de cuja investigação nos abstemos; porque o coração, e ainda mais o da mulher que é toda ela, representa o caos do mundo moral. Ninguém sabe que maravilhas ou que monstros vão surgir nesses limbos.

(ALENCAR, José de. Capítulo VI. In: __. Senhora. São Paulo: FTD, 1993. p. 107-8.)

O narrador revela uma opinião no trecho
  • A) "Aurélia passava agora as noites solitárias." (1. 1)
  • B) "...buscava afastar da conversa o tema desagradável."(l. 4-5)
  • C) "...tinha impulsos de adorar a Seixas, como seu Deus..." (1. 12-13)
  • D) "...e se deixa abandonar, sem proferir um queixume,..." (1. 16)
  • E) "Esse fenômeno devia ter uma razão psicológica,..." (1. 18)

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